INSTRUÇÃO - Com base na interpretação do texto a seguir, responda às questões
de 1 a 9.
O recado dos ninjas
O nome parece uma piada, ou melhor, é uma piada. “Mídia Ninja" soa como nome
de filme cômico. Lembra na hora a saga das Tartarugas ninjas, o pastelão que misturava
pizza, kung fu e efeitos especiais de segunda – e que, assim mesmo, virou mania. Que
existe uma ironia escancarada na coisa toda, disso não há nenhuma dúvida.
No Facebook, o símbolo da Mídia Ninja não tem tartarugas. Não parece gozação.
O que vemos ali é a imagem em preto e branco de um rosto mascarado. Na figura em
close, em alto contraste, só identificamos os olhos amendoados. Podem ser olhos
orientais ou, quem sabe, olhos palestinos. Têm um toque feminino, mas isso não é certo.
Talvez sejam apenas adolescentes. O modo como o tecido escuro cobre aquela face
lembra a indumentária daqueles acrobatas de filmes de artes marciais que decepam
cabeças com espadas uivantes. Ou talvez seja inspirado na figura de um garoto da
intifada. Ou, ainda, num presidiário brasileiro amotinado, que esconde sua fisionomia por
trás da camiseta enrolada na cabeça. O símbolo da Mídia Ninja, enfim, não nos conta
uma anedota. Em vez disso, representa uma figura limítrofe entre a lei e a insurreição,
entre a luz e a sombra, entre a candura e a violência, como a nos avisar que a Mídia Ninja
opera na fronteira: pode ser um trocadilho de jovens jornalistas brincalhões ou uma
maldição contra a imprensa que se permitiu envelhecer.
Podemos saber, desde já, é que esse grupo que sai por aí fazendo reportagens
com celulares ocupou um espaço que a imprensa profissional ainda não tinha alcançado.
Seus integrantes vivem nas passeatas que viraram rotina nas cidades brasileiras a partir
de junho. Normalmente, as imagens e as histórias contadas por esse exército digital ia ao
ar nas redes sociais. A partir de julho, conquistaram ruidosamente o horário nobre.
Entraram com grande pompa no Jornal Nacional, com crédito e tudo. Algumas imagens
dos protestos – e das prisões efetuadas desastradamente pelos policiais – só os ninjas
tinham. Para mostrar o que tinha acontecido, o Jornal Nacional recorreu a eles.
Esse episódio não tem nada de banal. Prestemos atenção ao detalhe: os
militantes da Mídia Ninja trafegam à vontade por aglomerações a que os repórteres
engravatados dos grandes noticiários não são bem-vindos. Têm acesso a cenas que
ficam além do alcance das câmeras das grandes emissoras. É por isso que, quando se
trata de mostrar ao telespectador o que se passou numa manifestação – e essas
manifestações têm sido as principais notícias do dia –, os telejornais precisam contar com
o prestimoso auxílio das lentes ninjas. Não nos esqueçamos: os ninjas operam na
fronteira entre a ordem pacata das ruas e a sublevação, entre a luz dos holofotes da TV e
a sombra. Nessa fronteira, eclodem hoje notícias essenciais e, sem os ninjas, o país não
veria nada disso.
São notícias que perturbam. Em julho, elas revelaram abusos de agentes policiais.
Ao mesmo tempo, são notícias boas. Por todos os motivos, o cidadão tem o direito de
saber da conduta indevida dos agentes da lei. Portanto, é ótimo que os ninjas nos ajudem
a nos informar.
Mas isso não é tudo. A Mídia Ninja não substitui a imprensa profissional, nem se
deve esperar isso dela. Seus integrantes não constituem uma redação independente, mas
um agrupamento engajado nos protestos. Eles não são observadores distanciados da
cena que reportam. Em lugar disso, atuam dentro da cena, são parte dela. Eles mesmos
não escondem isso. No vocabulário deles, a palavra ninja não é apenas uma brincadeira
com tartarugas que desferem pernadas por aí, mas um acrônimo que significa “narrativas
independentes, jornalismo e ação". Nessa breve expressão, temos um manifesto bem
claro. Os ninjas fazem jornalismo engajado, comprometido com a ação. Não escondem
isso de ninguém. Declaram seu engajamento e, assim, protegem a própria credibilidade.
Mesmo sem concordar com eles, podemos confiar neles, pois não ocultam os próprios
propósitos.
Nesse ponto, os ninjas deixam um recado bem claro aos jornalistas profissionais
e às redações que prometem ser independentes: as motivações de cada órgão de
imprensa devem ser total e radicalmente transparentes. O jornalismo brasileiro será
melhor se, ao contrário dos ninjas, souber se distanciar criticamente dos fatos que cobre –
e se, exatamente como os ninjas, for capaz de explicitar com todas as letras os
compromissos que tem. Se cuidasse disso, talvez tivesse mais trânsito nas fronteiras.