O joio legislativo Perguntaram a Sólon, um dos sete sábios da Grécia antiga, se ele havia produzido boa
legislação para os atenienses. Respondeu: "Dei-lhes as melhores leis que podiam
suportar". Perguntaram ao barão de Montesquieu, o formulador da teoria da separação
dos Poderes, quais as boas leis que um país deve ter. A resposta: "Quando vou a um país,
não examino se há boas leis, mas se são executadas as que existem, pois há boas
normas por toda parte".
Pergunte-se a um representante do povo no Parlamento brasileiro que critérios guiam a
tarefa legislativa. É provável que aponte o número de projetos apresentados sem
destaque para o mérito, corroborando a ideia de que, em nossa seara parlamentar, vale
mais a quantidade do feijão plantado sobre a terra, do qual pouco se aproveita, do que a
qualidade da semente. Amparadas pela força da lei, coisas estapafúrdias como o Dia da
Joia Folheada (toda última terça - feira de agosto), o Dia das Estrelas do Oriente, a
Semana do Bebê e outras esquisitices povoam o manual do joio legislativo, escrito por
parcela ponderável do corpo parlamentar. Instados fossem a discorrer sobre a natureza
de nossas leis, os Sólons tupiniquins poderiam sacar a resposta: "São as leis que os
brasileiros têm de aguentar". Cada povo com sua medida legislativa.
Não bastasse a progressão geométrica de leis sem sentido, forças exógenas emprestam
sua colaboração para adensar o volume de normas inúteis. A Copa do Mundo, sob o
escudo da Fifa, anuncia um conjunto de normas para mudar o comportamento do torcedor
brasileiro. Serão terminantemente proibidos nos estádios xingamentos a jogadores, juízes
e suas progenitoras, censura que acabará abarcando os elogios, porquanto no burburinho
de torcidas inflamadas nenhum ouvido será capaz de distinguir onomatopeias positivas de
palavrões. Cerveja pode, mas fumar, nem pensar.
Esses são os nossos trópicos. A fúria legiferante que entope as vias institucionais e chega
ao cotidiano, afetando de um modo ou de outro a vida das pessoas, tem muitas
significações.
O cartorialismo, por exemplo, pode ser explicado pela capacidade de fortalecer a
estrutura de autoridade. Essa, por sua vez, se expande na esteira de leis que procuram
impor a ordem do mundo ideal. Trata-se da visão platônica de plasmar a realidade por
força da lei. A floresta legislativa agiganta-se nessa vertente. De 2000 a 2010, o País
criou 75.517 leis, somando legislações ordinárias e complementares estaduais e federais,
além de decretos federais, o que dá 6.865 leis por ano. Em 2012, na Alemanha, o
Parlamento foi muito criticado: aprovou vinte leis. A imprensa considerou excessivo o
número. Lembre-se que os anglo-saxões organizam a vida sob o direito consuetudinário,
ancorado em costumes. Poucas leis bastam. Outra questão é a desobediência ao império
legal. Infringir a lei torna-se rotina no País. Não por acaso, entramos no chiste como
quarta modalidade de sociedade no mundo. A primeira é a inglesa, em que tudo é
permitido com exceção do que é proibido. A segunda é a alemã, em que tudo é proibido,
salvo o que for permitido. A terceira é a totalitária, em que tudo é proibido, mesmo o que
for permitido. E a quarta – adivinhe como funciona - é a brasileira.
Nossas leis caem no esquecimento. Proibição de películas escuras nos automóveis? Uso
de cinto de segurança no banco traseiro? Dirigir com apenas uma mão no volante? Levar
estojo de primeiros socorros nos veículos? Afinal, essas coisas foram ou não revogadas?
Por via das dúvidas, não se cumpre a legislação. E ainda há um monte de leis
inconstitucionais. Nos últimos dez anos, o STF julgou quase 3 mil ações diretas de
inconstitucionalidade, mais de 20% foram julgados inconstitucionais. Imensa quantidade
do arsenal legislativo não atinge a vida dos cidadãos. São floreios para adornar uma
galeria de homenageados. Datas comemorativas e louvações tomam a agenda de nossos
representantes.
Para ilustrar, eis algumas pérolas do nosso Produto Nacional Bruto da Inutilidade
Legislativa: em Santa Maria (RS), um vereador propôs a lei do silêncio dos animais para
evitar latidos de cachorros após as 22 horas; em Catanduva (SP), os vereadores ousaram
propor que os doentes morressem em cidades vizinhas, por causa da superlotação das
sepulturas e das dificuldades em sepultá-los; em Manaus, um vereador queria instalar um
neutralizador de odores nos caminhões de lixo e, em Porto Alegre, cavalos e burros
teriam de usar fraldas, "com exceção dos que participarem de eventos". Ufa!
(TORQUATO, G. O Estado de S. Paulo; 31 mar. 2013, texto adaptado).