Carrocinha de pipoca
Eu sei que a coisa é séria. Se o Kim Jong‐Um disparar
mesmo os foguetes que está ameaçando disparar contra bases
americanas na Ásia, teremos uma guerra nuclear com dimensões
e consequências imprevisíveis. Mas lendo sobre o perigo
iminente não pude deixar de pensar na história do homem que
foi atropelado por uma carrocinha de pipoca. Era um homem
cauteloso, que olhava para os dois lados antes de atravessar a rua
e só atravessava no sinal, e que dificilmente um carro pegaria.
Mas que um dia não viu que vinha uma carrocinha de pipoca, e
paft. Já no ambulatório do hospital, onde lhe deram uns pontos
no braço, o homem disse que tinha sido atropelado por um
motoboy. Em casa, contou que tinha sido atropelado por um
carro e só por sorte escapara da morte. Naquela noite, para os
amigos que souberam do acidente e foram visitá‐lo, especificou:
tinha sido atropelado por um BMW. No dia seguinte disse aos
colegas de trabalho que tinha sido atropelado por um caminhão e
que não sofrera mais que um corte no braço, por milagre. E
quando um dos colegas de trabalho comentou que tinha visto o
acidente e vira o homem ser atropelado por uma carrocinha de
pipoca, gritou: “Calúnia!"
Por que me lembrei do homem que tinha vergonha de ter
sido atropelado por uma carrocinha de pipoca? Desde o fim da
Guerra Fria a possibilidade de um confronto nuclear entre duas
potências, os Estados Unidos e a Rússia, diminuiu, mas os
estoques de armas nucleares continuaram e sua proliferação
também. Israel se segura para não usar seus foguetes para
destruir as bombas nucleares que o Irã está ou não está
construindo, Índia e Paquistão vivem comparando seus
respectivos arsenais nucleares como guris comparam seus pipis, a
França e a Inglaterra têm a bomba... Enfim, ainda se vive num
frágil equilíbrio de terror possível, exigindo de todos os nucleares
um cuidado extremo, um cuidado de atravessar a rua sem serem
atropelados pelo imprevisto. E aí aparece o Kim Jong‐Um
empurrando uma carrocinha de pipoca em alta velocidade...
(Luiz Fernando Veríssimo, O Globo, 11/04/2013)
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