A Nova Praga
Não é preciso ter assistido nem à primeira aula de
Latim – no tempo em que existia em nossas escolas essa
disciplina, cuja ausência foi um desastre para o
aprendizado da Língua Portuguesa – para saber que o
étimo de nosso substantivo areia é o latim "arena". E, se
qualquer pessoa sabe disso até por um instinto primário, é
curioso, para usar um termo educado, como nossos
locutores e comentaristas de futebol, debruçados sobre
um gramado verde‐verdinho, chamam‐no de "arena",
numa impropriedade gritante.
Nero dava boas gargalhadas, num comportamento que
já trazia latente a sua loucura final, quando via os cristãos
lutando contra os leões na arena. Nesse caso, se havia
rictus de loucura na face do imperador, pelo menos o
termo era totalmente apropriado: o chão da luta
dramática entre homem e fera era de areia. Está aí para
prová‐lo até hoje o Coliseu.
(....) Mas – ora bolas! –, se o chão é de relva verdejante,
é rigorosamente impróprio chamar de "arena" nossos
campos de futebol, como fazem hoje. O diabo é que erros
infelizmente costumam se espalhar como uma peste, e
nem será exagero dizer que, neste caso, o equívoco vem
sendo tão contagioso como a peste negra que, em
números redondos, matou 50 milhões de pessoas na
Europa e na Índia no século XIV. E os nossos pobres
ouvidos têm sido obrigados a aturar os nossos profissionais
que transmitem espetáculos esportivos se referirem à
arena daqui, à arena de lá, à arena não sei de onde. Assim,
já são dezenas de arenas por esse Brasilzão. O velho
linguista e filólogo mineiro Aires da Mata Machado Filho
(1909‐1985), a cujo livro mais conhecido peço emprestado
o título deste pequeno artigo, deve estar se revirando no
túmulo diante da violência de tal impropriedade. O bom
Alves era cego, ou quase isso, mas via como ninguém os
crimes cometidos contra o idioma.
(Marcos de Castro. www.observatoriodaimprensa.com.br)
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