Atenção: Considere o texto abaixo para responder às questões
de números 1 a 6.
Conselhos ao candidato
Certa vez um enamorado da Academia, homem ilustre e
aliás perfeitamente digno de pertencer a ela, escreveu-me sondando-me
sobre as suas possibilidades como candidato. Não
pude deixar de sentir o bem conhecido calefrio aquerôntico, porque
então éramos quarenta na Casa de Machado de Assis e
falar de candidatura aos acadêmicos sem que haja vaga é um
pouco desejar secretamente a morte de um deles. O consultado
poderá dizer consigo que “praga de urubu não mata cavalo".
Mas, que diabo, sempre impressiona. Não impressionou ao conde
Afonso Celso, de quem contam que respondeu assim a um
sujeito que lhe foi pedir o voto para uma futura vaga:
− Não posso empenhar a minha palavra. Primeiro porque
o voto é secreto; segundo porque não há vaga; terceiro porque
a futura vaga pode ser a minha, o que me poria na posição de
não poder cumprir com a minha palavra, coisa a que jamais
faltei em minha vida.
Se eu tivesse alguma autoridade para dar conselhos ao
meu eminente patrício, dir-lhe-ia que o primeiro dever de um
candidato é não temer a derrota, não encará-la como uma
capitis diminutio, não enfezar com ela. Porque muitos dos que
se sentam hoje nas poltronas azuis do Trianon, lá entraram a
duras penas, depois de uma ou duas derrotas. Afinal a entrada
para a Academia depende muito da oportunidade e de uma
coisa bastante indefinível que se chama “ambiente". Fulano?
Não tem ambiente. [...]
Sempre ponderei aos medrosos ou despeitados da
derrota que é preciso considerar a Academia com certo senso
de humour. Não tomá-la como o mais alto sodalício intelectual
do país. Sobretudo nunca se servir da palavra “sodalício", a que
muitos acadêmicos são alérgicos. Em mim, por exemplo, provoca
sempre urticária.
No mais, é desconfiar sempre dos acadêmicos que prometem:
“Dou-lhe o meu voto e posso arranjar-lhe mais um".
Nenhum acadêmico tem força para arranjar o voto de um colega.
Mas vou parar, que não pretendi nesta crônica escrever um
manual do perfeito candidato.
(BANDEIRA, Manuel. Poesia completa e prosa. Rio de
Janeiro: Nova Aguilar, 1993, vol. único, p. 683-684)
*aquerôntico = relativo ou pertencente a Aqueronte, um dos rios
do Inferno, atravessado pelos mortos na embarcação conduzida
pelo barqueiro Caronte.
*capitis diminutio: expressão latina de caráter jurídico empregada
para designar a diminuição de capacidade legal.
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