Leia o texto, a seguir, e responda às questões de 1 a 10.
No Brasil, as universidades estão entre as instituições públicas mais submetidas a avaliações externas
de desempenho. Além de contrariar o princípio da autonomia, previsto no Art. 207 da Constituição
Federal, tal excesso de cobrança também pode ser considerado anômalo por induzir desvios de função,
em detrimento da geração de bens públicos que não podem ser adequadamente aferidos por meio de indicadores
quantitativos.
Em contraste com as atividades produtivas agrícolas e industriais, ou nas áreas de segurança, saúde,
transporte e energia, os “inputs" e “outputs" mais essenciais da “função de produção acadêmica" envolvem
coisas intangíveis como pensamentos e ideias científicas, políticas ou artísticas.
Podem-se somar quantidades de diplomas concedidos ou de artigos publicados em revistas indexadas,
mas não os conteúdos dos diplomados e das publicações. Além disso, atividades como as filosóficas e as
científicas são caracterizadas por períodos de gestação longos e variáveis, incompatíveis com os objetivos
imediatistas subjacentes à ação dos órgãos avaliadores.
Desde o início da peregrinação científica de Charles Darwin, no navio Beagle, até a publicação da “Origem
das Espécies", passaram-se 18 anos. Pelos critérios de avaliação vigentes hoje nas universidades brasileiras,
esforços científicos de grande fôlego, como o de Darwin, estão completamente fora de cogitação.
Durante o tempo que levou para concluir a teoria da relatividade geral, Albert Einstein publicou alguns artigos
em revistas científicas, mas não com intuitos “carreiristas" e sim porque precisava se comunicar com
os colegas, para melhor conduzir suas investigações.
Outro bom exemplo é Sócrates, que não deixou nada escrito. Sua atividade consistia em pensar e formar
ideias que expressava apenas oralmente, pois considerava que escrever era desperdício de tempo.
No entanto, através dos discípulos, suas ideias contribuíram para a formação de parte substancial do
acervo cultural da humanidade.
Se vivesse hoje como professor da universidade pública brasileira, ele seria apenas mais um dos atirados
na vala comum dos improdutivos, por causa de metodologias de avaliação insufladoras de um “produtivismo"
que, no longo prazo, tende a levar a resultados piores do que os que naturalmente ocorreriam se
elas nunca tivessem existido.
Em consequência do excesso de avaliações e cobranças de produtividade, presencia-se hoje nas universidades
públicas brasileiras um ambiente extremamente competitivo, estressante e direcionado para a
produção de bens de mercado.
Tirando o que é gasto na elaboração de projetos, produção em massa de artigos, preenchimento de relatórios,
atualização de currículos, participações cada vez mais frequentes em bancas, reuniões etc., sobra
pouco tempo para pensar e outras finalidades importantes, como aperfeiçoar metodologias de ensino ou
enriquecer conteúdos disciplinares.
Quando o “produtivismo" impera na academia, aulas, conferências e palestras brilhantes ou qualquer outro
tipo de comunicação fora dos meios reconhecidos não contam, por mais que sirvam para solucionar
problemas, enriquecer espíritos ou abrir novos caminhos de pensamento.
Esse é o cenário de uma universidade heterônoma, que está sendo conduzida por interesses consorciados
de empresas que demandam serviços tecnológicos, famílias que almejam mais oportunidades de acesso
a vagas gratuitas no Ensino Superior, “oligarquias científicas" que legitimam seus privilégios impondo sistemas
de avaliação ad hoc e governantes mais comprometidos com o projeto de poder de seus partidos
do que com o futuro na nação.
(SILVA, J. M. A. A quem as universidades estão servindo? Folha de S. Paulo. 6 out. 2012, p. A3.)