Leia o texto I para responder às questões de 1 a 10.
Há anos os resultados das provas do Exame Nacional do
Ensino Médio – Enem – mostram um desempenho sofrível dos
estudantes e, por extensão, das escolas brasileiras que os
educaram. Se houvesse um sistema de monitoramento da
educação, como há para tempestades e inundações, há muito o
País teria entrado em estado de atenção.
Em todo o Brasil, 6.193.565 estudantes fizeram o exame
em 2014. Na prova de redação, apenas 250 obtiveram a
pontuação máxima e apenas 8,4% obtiveram ao menos 70%
dos mil pontos da escola, pontuação que atesta que são
capazes de se exprimir razoavelmente bem na língua
portuguesa. Em contrapartida, 8,5% (mais de meio milhão)
tiveram nota zero – não conseguem se expressar por escrito na
língua pátria, como se dizia em outros tempos, quando Olavo
Bilac a louvava enternecido e generoso e dela dizia: “Última flor
do Lácio, inculta e bela, és, a um tempo, esplendor e
sepultura...". Mal sabia ele que neste dia distante, que é o
nosso, a língua tropeçaria nas fórmulas que os burocratas da
educação inventariam para avaliar se os educandos seriam
capazes de nela escrever corretamente algumas linhas e nela
expressar o que pensam.
A língua portuguesa escrita serve para alguma coisa?
Esses resultados do Enem dizem-nos que serve pouco e para
alguns até não serve para nada. Mais da metade dos
examinandos, 55,7%, fizeram, no máximo, metade dos pontos
necessários para provar que são capazes de se expressar por
escrito em nossa língua. O exame do Enem de 2014 lança no
caminho de escolas superiores e do mercado de trabalho
3.452.543 de iletrados. Gente que mal escreve e, portanto,
pensa mal, se tivermos em conta que escrever com clareza e
objetivamente é expressão do pensar claro e objetivo.
Na comparação do desempenho dos oriundos das
diferentes escolas, o resultado não é consolador. Em redação, a
média das escolas federais foi de 618,7 e a das escolas
privadas ficou bem abaixo das federais, 570,8, na faixa das
notas medíocres. As escolas públicas municipais e estaduais
tiveram deploráveis 458,2 e 434,7. Ótimas escolas existem
nesses quatro campos de atuação escolar. A qualidade não
depende do que é público ou privado, federal, estadual ou
municipal. Depende de vários fatores. Sempre se diz que
depende muito dos salários dos professores, como se o nível e
a qualidade das escolas melhorassem apenas com melhora
salarial. Os salários do magistério continuam desvinculados da
formação e da competência dos docentes. Essa discussão
esconde o fato de que a degradação dos salários do magistério
ao longo de muitos anos, dos cursos de formação de
professores, tanto no ensino médio quanto na universidade,
desestimulou vocações. Encheu de desânimo os que ainda
acham que ensinar é missão e sacerdócio e até ato de amor à
pátria. A ideologia de botequim que preside hoje a educação,
isto é, a ideologia do cálculo de custo e de que escola deve ser
avaliada por critérios de produtividade e não de qualidade,
tornou professores e alunos equivalentes a mercadorias de
balcão, meros números e índices.
O resultado do Enem para os diferentes campos do
conhecimento em que a avaliação é feita não é diferente do
resultado para a prova de redação, oscilando levemente em
torno da mesma média dessa prova. O dado, talvez, mais
interessante para se pensar criticamente a escola média, e
desse modo buscar uma saída que transforme a escola
brasileira, está nas médias obtidas quando se tem como
referência o Índice de Nível Socioeconômico – Inse – da escola.
O desempenho dos alunos é ruim nas de Inse muito baixo, tanto
nas escolas federais quanto nas escolas privadas, quanto nas
municipais e estaduais. O índice sobe entre 140 e 180 pontos
quando se avaliam as médias dos alunos de escolas de Inse
muito alto. Nas federais, a média foi de 624,4 e, nas privadas,
foi de 624,4, bem menos do que na escala tradicional vem a ser
nota 7,0 para definir o que é bom estudante, não
necessariamente ótimo.
Esses alunos de situação social mais elevada têm melhor
desempenho porque, muito provavelmente, têm acesso mais
fácil e regular aos canais de difusão da cultura, como os
museus, os concertos, os livros e as revistas, extensão da
própria inserção cultural dos pais. Não é demais pensar que as
escolas públicas deveriam obrigar-se a promover atividades
nesse âmbito, como complemento do ensino em sala de aula. O
verbalismo didático é um recurso vencido na educação. Essa
implementação depende, também, de que a chamada
comunidade de referência da escola e do aluno seja envolvida
nas atividades escolares.
Os melhores resultados em avaliações da escola pública
têm ocorrido em municípios de tamanho compatível com a
sobrevivência do espírito e da mentalidade comunitários, onde é
forte o sentimento de pertencimento e a valorização da escola
pela comunidade. A educação não escapará da ruína se os
maiores interessados, que são os pais, a família e os
educadores, não se envolverem e não forem envolvidos na
missão redentora de educar.
MARTINS, J. de S. Inculta e nada bela. In: O Estado de S.Paulo (versão
on-line). 17 jan. 2015. Adaptado.