Leia o texto I para responder às questões de 1 a 6.
Como diz o outro, preconceito é o diabo. Tanto mais
quando as sociedades humanas até hoje não foram capazes de
se estruturar nem de se organizar sem ele, isto é, sem alguma
forma de negar o próximo. Daí a necessidade de combater o
preconceito a cada instante e daí a sua persistência na História,
sob formas sucessivas. Vai um, vem outro, muita gente vive
dele e para ele, enquanto poucos lutam contra. Na pior hipótese
admissível, ele deve ser pelo menos recalcado, disfarçado,
porque disfarçando a pessoa acaba por atenuar o seu impacto e
não deixa que ele se torne impedimento de relações mais ou
menos normais. Por isso costumamos esperar e até exigir que
os educadores, os chefes, os líderes, as pessoas que
expressam grupos ou são investidas de alguma representação
coletiva não manifestem preconceito, para poderem executar
bem sua tarefa. Se os têm, que os escondam e não atuem em
função deles.
Eis por que foi mesmo lamentável o pronunciamento do
general Coelho Neto, para quem o cardeal Arns é mau
brasileiro, e talvez nem seja brasileiro, por ser contrário à
entrada do Brasil na indústria armamentista. Pensando no
motivo que teria levado o general a simular dúvida sobre a
nacionalidade óbvia de um eminente patrício seu, me ocorre
que ele poderia estar exprimindo uma das formas mais arcaicas
de preconceito que há no Brasil: a noção que o descendente de
estrangeiros, portador de sobrenome não-português, é menos
brasileiro. Menos brasileiro em relação a quem?
Quando eu era menino, há meio século e mais, ainda
florescia este sentimento torto, partilhado automaticamente,
quase sem malícia, nem prejuízo das relações do dia a dia, pela
maior parte dos descendentes de famílias que eram velhas por
aqui. Mas a coisa podia engrossar em certas circunstâncias,
porque, como eles se achavam “mais brasileiros", achavam-se
também mais donos do país, e quando o estrangeiro ou seu
filho faziam qualquer coisa que desagradava — do tipo ganhar
dinheiro demais, comprar terras do pessoal antigo, brilhar ou
mostrar mais capacidade — havia quem se sentisse vagamente
espoliado de um direito virtual. E que podia chegar a ver no
caso um desaforo tácito, atentatório, à integridade e ao destino
da Nação...
CANDIDO, A. Preconceito arcaico. (Folha de S.Paulo, 7/4/1982). Texto
com adaptações. In: Textos de Intervenção/ Antonio Candido; seleção,
apresentação e notas de Vinicius Dantas. São Paulo: Duas Cidades;
Ed.34, 2002.