O texto a seguir é referência para as questões objetivas 36 a 40 e para a questão discursiva 01.
O desenvolvimento
Há um núcleo forte no processo de desenvolvimento econômico que transcende qualquer ideologia. É dominado mais pelos
princípios da termodinâmica do que da economia. Trata-se de um processo em que parte da população que pode e deseja
trabalhar (força de trabalho) aplica sua energia ao estoque de capital existente (fábricas e infraestrutura, resultados do trabalho “cristalizado” do passado), para gerar bens e serviços (PIB). Uma vez produzido o PIB, este é reconduzido ao processo produtivo como consumo (que volta para a população) ou como investimento (igual à poupança que, por definição, é o que não foi consumido) para repor o estoque de capital utilizado no processo produtivo (depreciação) e aumentá-lo.
No gráfico, as bolinhas com números indicam cinco nós que determinam a qualidade, a velocidade e a natureza do crescimento econômico. Ele sugere também o dinamismo do processo: o comportamento atual determina o resultado futuro. A bolinha de número 1 indica o capital humano: a quantidade da população aplicada ao estoque de capital físico. A de número 2 é crítica: revela a quantidade de PIB produzido por unidade do estoque de capital, sobre o qual se aplicou a energia da força de trabalho, condicionada pela organização da sociedade (instituições) e pela tecnologia. Ela representa a produtividade do conjunto desses fatores, sintetizados na chamada relação produto/capital.
A de número 3 é de natureza diferente: não tem caráter técnico e não está sujeita às leis da termodinâmica. Determina, por
meio do sufrágio universal, como se dividirá o PIB entre o consumo e o investimento. No passado, isso foi feito pelos “usos e costumes”, pelo soba* ou pelo déspota esclarecido. Nos regimes de democracia liberal, a divisão é controlada por decisões da própria população, que periodicamente escolhe nas urnas o governo que lhe parece atenderá às suas aspirações. É uma decisão política com amplas consequências econômicas. A bolinha de número 4 mostra a recondução de parte do que não foi consumido ao estoque de capital. É a chamada taxa de investimento em relação ao PIB. A de número 5 mostra a apropriação do PIB pela sociedade para seu consumo, o que determina a qualidade de vida (saúde, moradia e educação).
O sistema é fechado sobre si mesmo. Algumas simplificações e a álgebra elementar mostram que a taxa de crescimento do PIB é determinada pela multiplicação da relação produto/capital pela relação investimento/PIB. Não há, pois, escapatória: sem o aumento da produtividade, o maior consumo presente implica menos investimento presente, menor aumento do estoque de capital
e, portanto, menor aumento do consumo no futuro. Sem o aumento da relação produto/capital há efetiva e real contradição entre o desejo de crescer mais depressa (desenvolvimento econômico) e o desejo de consumir mais depressa (desenvolvimento social). É este o dilema que a sociedade enfrenta politicamente nas urnas, quando escolhe o governo.
Ao economista (e cidadão com um voto), cabe apenas alertar a sociedade para as consequências futuras da escolha que faz no presente e não lhe impor a sua “ciência”. Estabelecido que todos queremos liberdade individual (perfeitamente compatível com a maximização do crescimento, mas não inteiramente com a redução das desigualdades), cabe à sociedade decidir como deseja acomodar as possíveis taxas de crescimento com as possíveis reduções da taxa de desigualdade. E cabe a ela, também, a responsabilidade pelo custo, no futuro, de tais decisões.
A função de preferência do economista provavelmente daria peso de 0,99 ao crescimento e de 0,01 à redução da desigualdade, o que informaria a política econômica ótima se ele fosse o déspota esclarecido. Se, entretanto, a sociedade por meio da urna revela dar peso 0,5 ao crescimento e peso 0,5 à redução da desigualdade, a obrigação do economista é sugerir ao governo a política ótima para realizar a preferência revelada e apontar suas possíveis consequências para o futuro, caso não seja acompanhada por um aumento da produtividade.
(DELFIM NETTO, Antônio. “O desenvolvimento”. Carta Capital, 22 abr. 2009, p. 15.