Leia o texto para responder às questões de números 06 a 08.
A pátria de ponteiros
Numa demonstração de inequívoca coragem, Fritz pediu
uma feijoada. Eu comentei que, aparentemente, ele não estava
tendo dificuldades de adaptação. O alemão disse que não.
Por conta do seu trabalho, viajava o mundo todo. A única
coisa que lhe incomodava, no Brasil, era nunca saber quando
as pessoas chegariam aos encontros. "O pessoa manda mensagem,
diz 'tô chegando!', mas pessoa chega só quarrrenta minutos
depois". Então me fez a pergunta que só poderia vir de
um compatriota de Emanuel Kant*: "Quando a brrrasileirrro diz
'tô chegando!', em quanto tempo brrrrasileirrro chega?".
Pensei em mentir, em dizer que uns atrasam, mas outros aparecem
rapidinho. Achei, porém, que em nome de nossa dignidade
– ali, naquela mesa, eu era a "pátria de ponteiros" – o melhor
seria falar a verdade: "Fritz, é assim: quando o brasileiro diz
'tô chegando!' é porque, na real, ele tá saindo". Tentei atenuar o
assombro do alemão: veja, não é exatamente mentira, afinal, ao
pôr o pé pra fora de casa dá-se início ao processo de chegada,
assim como ao sair do útero se começa a caminhar para a cova.
É só uma questão de perspectiva.
"Mas e quando o pessoa diz 'tô saindo!'?" Expliquei que as
declarações do brasileiro, no que tange ao atraso, estão sempre
uma etapa à frente da realidade. Se a pessoa diz que está chegando,
é porque tá saindo, e se diz que tá saindo, é porque ainda
precisa tomar banho, tirar a roupa da máquina e botar comida
pro cachorro.
Fritz ficou pensativo. "E o 'cinco minutinhos'?"
Já o "cinco minutinhos!" é um pouco mais vago. Pode significar
tanto que o brasileiro está a cem metros do destino quanto
a 27 quilômetros. Às vezes, cinco minutinhos demoram muito
mais do que quinze, mais do que uma hora; há casos, até, em que
a pessoa a cinco minutinhos jamais aparece.
Fritz ficou olhando o chope, imaginando, talvez, na espuma
branca, a tomografia multicolor desses cérebros tropicais. Senti
que era o momento de mudar de assunto, de mostrar ressonâncias,
digamos, mais magnéticas do nosso país. Chamei o gar-
çom. "Chefe, a gente pediu uma feijoada, já faz um tempinho..."
"Tá chegando, amigo, tá chegando!"
(Antonio Prata. Folha de S.Paulo, 23.02.2014. Adaptado)
* Emanuel Kant: filósofo de origem alemã