Não é a chuva (fragmento)
Tem saído nos jornais: chuvas deixam São Paulo no caos. É verdade que os moradores estão sofrendo além da conta, quer estejam circulando pela cidade com seus carros ou nos ônibus e metrô, quer estejam em casa ou no trabalho. Três fatores criam a confusão: semáforos desligados; alagamentos nas ruas; falta de energia. Então, tudo culpa da chuva, certo? Errado. Semáforos, por exemplo. Eles poderiam ter a fiação enterrada ou a fonte de energia e os sistemas de controle automático protegidos por caixas blindadas. Isso não é nenhuma maravilha da tecnologia, algo revolucionário. Existe em qualquer cidade organizada. E tanto é acessível que já há projetos para a instalação desses equipamentos em São Paulo. Se não avança, é culpa dos administradores – não da chuva. Quanto aos alagamentos, ocorrem por falta de algum serviço ou obra, esta já prevista. Podem reparar. Sempre aparece alguma autoridade municipal ou estadual dizendo que a enchente aqui será resolvida com um piscinão, ali com a canalização de um córrego, em outra rua com a simples limpeza dos bueiros, e assim vai. De novo, sabe‐se o que é preciso fazer, mas não se faz. Também não é culpa da chuva. A falta de energia é outro estrago. Caem postes, desabam árvores, fiações são destruídas, transformadores pifam. Um amigo conta a situação na sua rua: os galhos de uma árvore cresceram muito e encostaram no transformador; quando chove com vento, os galhos vão batendo no transformador, já molhado, até desligá‐lo. Sempre acontece isso. Ora, por que não podam a árvore? Porque é preciso uma autorização formal da prefeitura, o que significa uma solicitação formal, um trâmite formal, a visita pessoal de um fiscal. Não sai antes da próxima chuva. Podem reparar: em toda queda de árvore, sempre aparece um morador para dizer que aquilo era esperado, que já havia sido solicitada a poda ou a retirada. De novo, não tem nada a ver com a chuva.
(Carlos Alberto Sardenberg. O Globo, 28/02/2013)

Mostrar/Esconder texto associado