Leia o texto para responder às questões de números 01 a 07.
A morte do narrador
Recentemente recebi um e–mail de uma leitora perguntando
a razão de eu ter, segundo ela, uma visão tão dura para
com os idosos. O motivo da sua pergunta era eu ter dito, em
uma de minhas colunas, que hoje em dia não existiam mais
vovôs e vovós, porque estavam todos na academia querendo
parecer com seus netos.
Claro, minha leitora me entendeu mal. Mas o fato de ela
ter me entendido mal, o que acontece com frequência quando
se discute o tema da velhice, é comum, principalmente porque
o próprio termo “velhice” já pede sinônimos politicamente
corretos, como “terceira idade”, “melhor idade”, “maturidade”,
entre outros.
Uma característica do politicamente correto é que, quando
ele se manifesta num uso linguístico específico, é porque esse
uso se refere a um conceito já considerado como algo ruim. A
marca essencial do politicamente correto é a hipocrisia articulada
como gesto falso, ideias bem comportadas.
Voltando à velhice. Minha leitora entendeu que eu dizia
que idosos devem se afundar na doença, na solidão e no
abandono, e não procurar ser felizes. Mas, quando eu dizia
que eles estão fugindo da condição de avós, usava isso como
metáfora da mentira (politicamente correta) quanto ao medo
que temos de afundar na doença, antes de tudo psicológica,
devido ao abandono e à solidão, típicos do mundo contemporâneo.
Minha crítica era à nossa cultura, e não às vítimas
dela. Ela cultua a juventude como padrão de vida e está intimamente
associada ao medo do envelhecimento, da dor e
da morte. Sua opção é pela “negação”, traço de um dos sintomas
neuróticos descritos por Freud.
Walter Benjamim, filósofo alemão do século XX, dizia que
na modernidade o narrador da vida desapareceu. Isso quer
dizer que as pessoas encarregadas, antigamente, de narrar
a vida e propor sentido para ela perderam esse lugar. Hoje os
mais velhos querem “aprender” com os mais jovens (aprender
a amar, se relacionar, comprar, vestir, viajar, estar nas redes
sociais). Esse fenômeno, além de cruel com o envelhecimento,
é também desorganizador da própria juventude. Ouço cotidianamente,
na sala de aula, os alunos demonstrarem seu desprezo
por pais e mães que querem aprender a viver com eles.
Alguns elementos do mundo moderno não ajudam a combater
essa desvalorização dos mais velhos. As ferramentas de
informação, normalmente mais acessíveis aos jovens, aumentam
a percepção negativa dos mais velhos diante do acúmulo de
conhecimento posto a serviço dos consumidores, que questionam
as “verdades constituídas do passado”. A própria estrutura
sobre a qual se funda a experiência moderna – ciência, técnica,
superação de tradição – agrava a invisibilidade dos mais velhos.
Em termos humanos, o passado (que “nada” serve ao mundo
do progresso) tem um nome: idoso. Enfim, resta aos vovôs e
vovós ir para a academia ou para as redes sociais.
(Luiz Felipe Pondé, Somma, agosto 2014, p. 31. Adaptado)