Atenção: Para responder às questões de números 1 a 10
considere o texto abaixo.
Falsificações na internet
Quem frequenta páginas da internet, sobretudo nas redes
sociais, volta e meia se depara com textos atribuídos a
grandes escritores. Qualquer leitor dos mestres da literatura
logo perceberá a fraude: a citação está longe de honrar a alegada
autoria. Drummond, Clarice Lispector, Guimarães Rosa e
Fernando Pessoa, por exemplo, jamais escreveriam banalidades
recheadas de lugares comuns, em linguagem capenga e
estilo indefinido. Mas fica a pergunta: o que motiva essas falsificações
grosseiras de artistas da palavra e da imaginação?
São muitas as justificativas prováveis. Atrás de todas
está a vaidade simplória de quem gostaria de ser tomado por
um grande escritor e usa o nome deste para promover um texto
tolo, ingênuo, piegas, carregado de chavões. Os leitores incautos
mordem a isca e parabenizam o fraudulento, expandindo a
falsificação e o mau gosto. Mas há também o ressentimento
malicioso de quem conhece seus bem estreitos limites literários
e, não se conformando com eles, dispõe-se a iludir o público
com a assinatura falsa, esperando ser confundido com o grande
escritor. Como há de fato quem confunda a gritante aberração
com a alta criação, o falsário dá-se por recompensado enquanto
recebe os parabéns de quem o "curtiu".
Tais casos são lamentáveis por todas as razões, e constituem
transgressões éticas, morais, estéticas e legais. Mas fiquemos
apenas com a grave questão da identidade própria que
foi rejeitada em nome de outra, inteiramente postiça. Enganarse
a si mesmo, quando não se trata de uma psicopatia grave, é
uma forma dolorosa de trair a consciência de si. Os grandes
atores, apoiando-se no talento que lhes é próprio, enobrecem
esse desejo tão humano de desdobramento da personalidade e
o legitimam artisticamente no palco ou nas telas; os escritores
criam personagens com luz própria, que se tornam por vezes
mais famosos que seus criadores (caso de Cervantes e seu
Dom Quixote, por exemplo); mas os falsários da internet, ao
não assinarem seu texto medíocre, querem que o tomemos
como um grande momento de Shakespeare. Provavelmente jamais
leram Shakespeare ou qualquer outro gênio citado: conhecem
apenas a fama do nome, e a usam como moeda corrente
no mercado virtual da fama.
Tais fraudes devem deixar um gosto amargo em quem
as pratica, sobretudo quando ganham o ingênuo acolhimento
de quem, enganado, as aplaude. É próprio dos vícios misturar
prazer e corrosão em quem os sustenta. Disfarçar a mediocridade
pessoal envergando a máscara de um autêntico criador
só pode aprofundar a rejeição da identidade própria. É um
passo certo para alargar os ressentimentos e a infelicidade de
quem não se aceita e não se estima.
(Terêncio Cristobal, inédito)